QUANDO AS PIPOCAS ESTOURAM

QUANDO AS PIPOCAS ESTOURAM

Iansã descobre o Rei Obaluaiê por baixo das palhas secas. Aqui temos ruptura dos desejos reprimidos. O vento quente que revira as palhas é o sexo sagrado, arrebatador e transbordante. Iansã e Obaluaiê nos ensinam que o sexo é fruição...gozo...deleite...felicidade. O vento quente que revira, e revolve as mentiras escondidas da repressão e da falta de verdade e parceria, que traz o sexo como cumplicidade e algo sagrado... arrebatador e transbordante. Não acredita? Leia e se delicie com o artigo escripor por André Mustafá, assim como a realização dessa pintura. André Mustafá é um artista visual que pensa sua tradicão afro-brasileira na contemporaneidade sem ferir a tradição.


By André Mustafá: Titulo: Quando as Pipocas Estouram

CONTO REVISADO

Em uma noite de lua cheia e estrelas reluzentes, Obaluaiê se deixou seduzir pelo vibrante e festivo som dos atabaques que ecoavam do outro lado da mata. O ritmo dos tambores o envolveu, conduzindo-o suavemente até a entrada do grande barracão de festa. Ali, diante de tanto brilho, cores e perfumes, ele se viu enfeitiçado, imerso na exuberância da celebração. Entre as folhagens e palmeiras que rodeavam o barracão, ele permaneceu, observando com um sorriso tímido a alegria dos outros Orixás, que dançavam, se entregavam aos prazeres da comida e bebida, regados com azeite de dendê, farofa, grãos e o delicioso aluá. Cada detalhe era uma obra de arte aos seus olhos, desde o brilho das roupas até o aroma das folhas de pitanga e os enfeites nas paredes. Tudo era um convite irresistível à participação, porém ele hesitava, temendo expor suas feridas, sua pele manchada e sua aparência envelhecida. Preferia manter-se na penumbra da mata, apenas observando.

Mas Ogun, o guardião da festa, que há tempos o observava, surpreendeu-o por trás e questionou sua hesitação. Obaluaiê confessou sua vergonha, sua relutância em se expor diante dos outros. Então, com determinação, Ogun lhe disse: "Sua vergonha lhe paralisa em seu caminho!", Ogun, então desfiou folhas secas de uma palmeira, fez uma roupa e o envolveu, cobrindo todo o seu corpo. Assim, Obaluaiê podia se entregar à dança, à música, às delícias da festa, sem receio do olhar alheio sobre suas cicatrizes. Ogun, com palavras de incentivo sussurradas ao ouvido: "Nada nem ninguém deve paralisar você em seus desejos, avance!" encorajou-o a seguir sem restrições.

E assim, envolto nas palhas, Obaluaiê adentrou confiante o salão da festa. No centro da celebração, ele dançou com uma sensualidade cativante, encantando todos os presentes, inclusive Iansã, que se viu intrigada pelo desconhecido. Ela, que abominava disfarces e segredos, foi movida pela curiosidade. Gerou um furacão quente e foi girando até ele. O calor gerado pela aproximação dos corpos revirou a roupa de palha, até o teto. "Quem é você?" disse ela. Naquele momento uma chuva de flores de milho começaram a nascer da Pele de Obaluaiê, deixando o barracão todo branquinho. Assim, com um gesto carinhoso, Iansã desencadeou um turbilhão de paixão, desvendando as palhas que o cobriam, revelando a pureza das pipocas e a beleza radiante que jazia por baixo da palha seca. A cena, tão mágica quanto intensa, deixou todos em estado de admiração.

Iansã, deslumbrada pela beleza de Obaluaiê, entregou-se à dançar ao seu lado, mergulhando em um encantamento que transcendia a simples festividade. Durante toda a noite, eles compartilharam risos, histórias e olhares ardentes, selando uma conexão profunda que os uniria para sempre. Juntos, enfrentariam a morte, desafiando aqueles que não compreendem a plenitude da vida, e mergulham nos abismos da tristeza e adoecimento dos corpos.

A paixão e entrega de Obaluaiê e Iansã, geram saude para o corpo e a alma e agora, Ela reconhece nele não apenas um moço encoberto por palhas, mas o verdadeiro Rei da Terra: Obaluaiê! Vivamos cada segundo de nossas vidas com o calor e o movimento das paixões, rompa com a vida morna.

(by André Mustafá – Balogun do Ilê Axé Opô Afonjá /Salvador –Bahia BRASIL)



QUANDO AS PIPOCAS ESTOURAM

A ideia da ruptura dos desejos reprimidos é um tema fascinante na filosofia contemporânea, especialmente quando relacionado à libertação das restrições sociais e individuais que muitas vezes cercam a expressão sexual.

A filósofa contemporânea que podemos trazer para esta discussão é Judith Butler, conhecida por suas contribuições para a teoria queer e os estudos de gênero. Butler argumenta que as normas sociais sobre identidade de gênero e expressão sexual são construções sociais que limitam a liberdade individual e reprimem os desejos autênticos das pessoas.

Em seu trabalho "Corpos que importam: os limites discursivos do sexo", Butler examina como as normas sociais moldam nossas percepções do sexo e do desejo, e como essas normas são reforçadas e mantidas pela linguagem e pelo discurso. Ela questiona as categorias binárias de gênero e sexualidade, argumentando que elas são fluidas e socialmente construídas, e que a liberdade sexual só pode ser alcançada através da ruptura dessas normas e da afirmação dos desejos individuais.

Judith Butler


Ao discutir a ideia de "vento quente que revira e revolve as mentiras escondidas da repressão", podemos interpretar isso como uma metáfora para a necessidade de desafiar as normas sociais e culturais que reprimem a expressão sexual e os desejos individuais. Esse "vento quente" simboliza a força disruptiva que é necessária para romper com essas restrições e revelar a verdadeira natureza dos desejos humanos.

Butler também aborda a ideia de sexo como algo sagrado e arrebatador ao questionar as definições tradicionais de sexualidade e prazer. Ela argumenta que a sexualidade é uma parte fundamental da experiência humana e que a negação ou repressão dos desejos sexuais pode levar à alienação e ao sofrimento. Ao reconhecer e afirmar a sexualidade como uma expressão legítima do eu, as pessoas podem experimentar uma sensação de plenitude e conexão consigo mesmas e com os outros.

Em resumo, a ideia da ruptura dos desejos reprimidos, especialmente no contexto da sexualidade, é central para a filosofia contemporânea, especialmente nas obras de Judith Butler. Ao desafiar as normas sociais e culturais que restringem a expressão sexual, podemos alcançar uma maior liberdade e autenticidade em nossas vidas.

Detalhe das pipocas (flores de milho) explodindo de sua pele eas comidas na mesa caindo com o furor do abraço de Iansã e Obaluaiê.

O VENTO QUENTE

Numa dança cósmica entre a filosofia contemporânea e a mitologia afro-brasileira, a narrativa da ruptura dos desejos reprimidos emerge como um tema central. Judith Butler, uma das vozes mais proeminentes no campo dos estudos de gênero e da teoria queer, nos conduz por um caminho de questionamento das normas sociais que moldam nossa compreensão do sexo e da identidade. Ela nos desafia a romper com as amarras da repressão, a deixar de lado as mentiras ocultas que nos aprisionam, e a abraçar a verdadeira natureza dos nossos desejos individuais.

Enquanto isso, nas palavras poéticas de André Mustafá, somos transportados para o mundo mágico das divindades africanas. Iansã, a tempestuosa senhora dos ventos, e Obaluaiê, o senhor das doenças e curas, protagonizam uma história de descoberta e revelação. Sob as palhas secas, Iansã encontra Obaluaiê, simbolizando a descoberta da verdade escondida por trás das aparências. Nesse encontro, o vento quente da paixão e da intimidade revela o sexo como algo sagrado, um ritual de fruição e gozo, uma fonte de deleite e felicidade.

Assim, nessa união de pensamento filosófico e poético, somos lembrados de que a sexualidade é uma força primordial e transcendente, capaz de quebrar as correntes da opressão e nos conectar com o divino dentro de nós mesmos. Que possamos nos permitir ser guiados por essa tempestade de paixão e autodescoberta, e encontrar a liberdade e a plenitude que tanto buscamos.


Toda a pintura é feita com canetas esferograficas e se voce quiser saber mais sobre o trablaho de André Mustafá acesse o link para o Youtube clicando aqui.


SEXO COMO ALGO SAGRADO

Numa dança cósmica entre o pensamento filosófico contemporâneo, a mitologia afro-brasileira e a narrativa poética, somos conduzidos a uma jornada de descoberta e revelação sobre a natureza dos desejos reprimidos e a sagrada expressão da sexualidade.

Judith Butler, com sua perspicácia filosófica, desafia as normas sociais que aprisionam nossos desejos mais profundos, convidando-nos a romper com as amarras da repressão e abraçar nossa verdadeira essência. Ela nos lembra que a liberdade sexual é uma busca pela autenticidade, uma ruptura das mentiras ocultas que nos impedem de expressar quem realmente somos.

Ao mesmo tempo, nas palavras poéticas de André Mustafá, somos transportados para o mundo encantado das divindades africanas. Iansã, a senhora dos ventos impetuosos, e Obaluaê, o guardião das doenças e curas, protagonizam uma história de descoberta e conexão. Sob a ventania de Iansã, as palhas que cobriam Obaluaê são erguidas, revelando sua beleza radiante. Nesse encontro mágico, o sexo transcende a mera satisfação física, tornando-se um símbolo de fruição, gozo e felicidade.

E assim, numa festa onde todas as divindades se reuniam em celebração, Iansã dança com Obaluaê até o final, numa metáfora poderosa do amor, do sexo e da parceria sagrada entre eles. Essa união não é apenas uma expressão de desejo, mas uma aliança divina que desafia as sombras da morte e da doença, irradiando luz e esperança para todos os que testemunham sua dança cósmica.

Dessa forma, entrelaçando filosofia, mitologia e poesia, somos convidados a contemplar a complexidade e a beleza da sexualidade humana, reconhecendo-a como uma força primordial e sagrada que nos conecta com o divino dentro de nós mesmos.

 


OUTRAS REFERENCIAS

Uma filósofa contemporânea afro-brasileira que aborda temas relacionados à sexualidade, identidade de gênero e questões raciais é Djamila Ribeiro. Ela é conhecida por seu ativismo e por sua produção intelectual que discute o feminismo negro e as interseccionalidades entre raça, gênero e classe social.

Djamila Ribeiro escreve sobre a importância de reconhecer e valorizar as diferentes experiências das mulheres negras, especialmente em relação à sua sexualidade e expressão de desejos. Em seus escritos e palestras, ela destaca como as normas sociais e culturais muitas vezes reprimem os desejos das mulheres negras, perpetuando estereótipos e limitando sua liberdade individual.

Djamila Ribeiro


Além disso, Djamila Ribeiro também fala da necessidade de uma abordagem interseccional na luta por igualdade e justiça social, reconhecendo como as experiências de discriminação e opressão são moldadas por uma variedade de fatores, incluindo raça, gênero, classe, sexualidade e outras dimensões da identidade.

Embora não se concentre exclusivamente em questões de sexualidade, Djamila Ribeiro traz uma perspectiva valiosa e necessária para o diálogo sobre esses temas, especialmente no contexto da experiência afro-brasileira. Suas obras, palestras e entrevistas oferecem insights importantes sobre como as questões de gênero, raça e sexualidade estão interligadas e como podemos avançar em direção a uma sociedade mais inclusiva e igualitária.


SUBVERSSAO FAMILIAR OU A TRADIÇÃO?


André Mustafá

Este trecho revela uma exploração ousada e provocativa da mitologia afro-brasileira por parte do (autor do blog e artista visual), André Mustafá em questões apresentadas aqui por sua pintura e na releitura do conto tradicional de Obaluaiê.        

Questões contemporâneas de identidade, sexualidade e confronto com normas sociais opressivas são pensadas por Mustafá no CONTO. Aqui, Iansã transcende o papel tradicionalmente atribuído a ela na mitologia, tornando-se uma figura de rebelião e subversão contra uma sociedade hipócrita e que vive nas aparências de forma “morna” e pacata. No CONTO a festa transcorreria normalmente caso Iansã deixasse Obaluaiê dançar e se divertir como se nada tivesse acontecendo. Um estranho, entra na festa, coberto de palhas e ninguem nota ou faz que não nota. Todos ficam reprimidos se entre olham, mas ninguem questionaria ao "visitante"... "penetra"... desconhecido, quem é Ele? Mas Iansã vem com essa pergunta simples e profunda: QUEM É VOCÊ? nos fazendo pensar quem somos nós nessa grande festa da vida. Quem somos nós em nosso presente; o presente que é o PRESENTE.


A imagem de Iansã no CONTO, revelando Omolu/Obaluaiê levantando suas palhas é poderosa, simbolizando a exposição da verdade por trás das aparências e a aceitação corajosa daqueles marginalizados pela sociedade. Sem mentiras!!!! O que a essencia de Iansã nos propoem é vivermos com a elegancia de quem nós somos. E no CONTO, sua ação de dançar e até mesmo se envolver romanticamente com Omolu na frente de todos é uma afirmação de sua própria sexualidade e uma rejeição das normas sociais que tentam controlá-la.

ESSA AFIRMAÇÃO SEXUAL que menciono pode assumir diversas formas, desde relacionamentos tradicionais até práticas não convencionais. Isso inclui a livre expressão do desejo, a busca por parcerias afetivas e sexuais baseadas no consentimento e no respeito mútuo, além do reconhecimento e valorização da diversidade sexual e de gênero. As pessoas têm liberdade para explorar sua sexualidade de maneira autêntica e sem julgamentos, seja através de relações monogâmicas, poliamorosas ou outras formas de vínculos afetivos. É fundamental que a expressão da sexualidade seja sempre consensual, segura e livre de qualquer forma de coerção ou discriminação, promovendo assim o bem-estar, a realização pessoal e principalmente o seu amadurecimento junto ao seu corpo fisico.

Essa narrativa nos faz refletir sobre a importância da autenticidade e da verdade em nossas vidas, e como a sociedade muitas vezes nos força a esconder quem realmente somos para nos conformarmos a padrões restritivos. Iansã emerge como uma figura de resistência e empoderamento, desafiando essas normas e abrindo caminho para uma nova forma de ser e existir.

Quanto à associação com as ideias filosóficas de Judith Butler e Djamila Ribeiro, vemos paralelos claros na rejeição das normas sociais que reprimem a expressão da sexualidade e da identidade, e na defesa da diversidade e da autenticidade. Iansã personifica essa luta por liberdade e igualdade, mostrando-nos que a verdadeira beleza reside na aceitação de nossa própria essência e na celebração de nossa individualidade.

Em relação a Omolu, ele é retratado não apenas como uma figura enferma e ferida, mas também como um ser de beleza interior e força resiliente. Sua verdadeira beleza não está em sua aparência física (mesmo que os filhos de santo ou Iaô (em iorubá: Ìyàwó) no candomblé sejam fisicamente lindos, estamos retificando aqui a beleza interior que renova sua coragem para enfrentar a adversidade e em sua capacidade de amar e ser amado, mesmo em meio à rejeição e ao preconceito. Ele é um Rei (no momento do CONTO), desconhecido, mas sua grandeza reside em sua autenticidade e na humanidade compartilhada com todos nós.

Iansã representa essa força de renovação e movimento na tradição da festa, desafiando as normas e os padrões estabelecidos de estética e comportamento. Sua atitude de revelar a verdade por trás das aparências e se engajar em novas formas de expressão e relacionamento demonstra sua disposição para romper com a rigidez das convenções sociais. Ela está constantemente em busca de vida, movimento e mudança, resistindo à estagnação que pode surgir quando nos prendemos às regras e padrões estabelecidos. Iansã nos inspira a sair da zona de conforto, a questionar as normas impostas e a buscar constantemente o novo, mantendo-nos vivos, vibrantes e em constante evolução.

Essa quebra de tradição é poderosa, pois desafia a ideia de que as divindades, os Orixás devem se conformar aos papéis estabelecidos, e mostra que elas também podem ser agentes de mudança e transformação ainda mais ativosna contemporaneidade. Iansã, ao agir de maneira tão ousada e corajosa no CONTO, inspira outros a questionar as normas sociais e a buscar autenticidade e liberdade em suas próprias vidas.

Quem é você!? faça essa mesma pergunta que Iansã fez a Obaluaiê e comece as pequenas rupturas e só assim viva plenamente sua vida.

André Mustafá – Maio de 2024 Portugal / Aver-o- Mar


Referências bibliográficas:

1. RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. Companhia das Letras, 2018.

2. RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. Companhia das Letras, 2019.

3. RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Letramento, 2017.

4. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira, 2003.

5. BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do "sexo". Civilização Brasileira, 2019.

6. BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto?. Civilização Brasileira, 2015.


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