OXALA FIQUE EM CASA - por André Mustafá


"Olá! Aqui você poderá acompanhar o processo de desenvolvimento artístico dessa pintura. Como foi que eu cheguei até a imagem final, boa leitura".

André Mustafá





Bom, para quem ainda não sabe, sou artista visual e desde 2005 venho pesquisando formas estéticas de falar sobre a cultura afro-brasileira através das canetas esferográficas. Aqui nesse blog você poderá pesquisar outras tantas pinturas e seus significados ARTISTICOS; sim, porque se deseja algo sobre mistérios e segredos dos orixás ou como se fazer algum tipo de feitiço ou magia para trazer marido em 7 dias, aqui não é o lugar.



AQUI trata-se de uma pesquisa artística de André Mustafá especificamente sobre as comunidades de terreiro e suas relações com os Orixás. 


O desejo de falar de Oxalá sempre foi grande e principalmente dos Itans (contos) que deram origem a cerimonia das Aguas de Oxalá. Como representar em pinturas esse evento sem entrar nas cerimonias dos povos de terreiros? Artista como Carybé por muitas vezes já fez essa trajetória.

Não quero e nem tenho a intenção em minhas pinturas de representar cenas do Candomblé. Esse e outros artistas já fizeram e fazem constantemente seja por ser uma forma mais rápida de venda de quadros ou por dar prestigio ou reconhecimento... Estou fora dessa linha de pensamento e desse grupo de artistas. Aliás não tenho nenhum grupo especifico para seguir, pesquisar, se reunir ou estudar... tenho sim muitos amigos, sacerdotes e outros tantos pesquisadores que de uma forma ou de outra gostam de meu trabalho e me trazem algum tipo de feedback.

 Faço releituras de um processo meu que me ajudam a refletir mais afundo sobre a cultura que me interesso e muito me representa no dia a dia. Sigo minha intuição e assim minhas essências junto a natureza. Então vamos lá: o itan das AS AGUAS DE OXALÁ foi que me provocou pintar. Para quem não conhece o itan segue aqui.
 

Outras pinturas minhas quase nunca eu precisei de referencias de imagens de outros artistas para compor minha pintura, mas esse está sendo um caminho que tenho percorrido e está melhorando a qualidade estética (se é que podemos falar assim de estética e qualidade) em arte.

A PRIMEIRA questão era qual ponto de vista eu iria representar do CONTO/ITAN. Escolhi o momento que Oxalá é abordado pelos guardas reais do palácio de Xangô. Coincide com outro tema atual que é falar sobre os invisíveis sociais, pois a policia principalmente a brasileira sempre abordou as pessoas de maneira muito perversa e violenta, sendo ao mesmo temo invisíveis e hiper visíveis.

Eu precisava pensar em uma composição que estivesse assim: um senhor no centro, sendo coagido por policiais em cavalos. Pronto, agora vamos atrás dessas imagens. Minha primeira dificuldade foi em achar cavalos muito bravos, suando, babando e baforando... uma imagem em movimento desses cavalos que pudessem falar desses policiais violentos em cima deles.



Mas não achei essas fotografias e tive que recorrer as minhas memorias internas e os dois cavalos que estão representados na pintura foram minhas invenções, obviamente com base no que já existia. Precisei pensar nos detalhes dos pelos, das veias, e principalmente do nariz e boca enfurecidos desses animais. 

Para mim, ficou a desejar: minha cabeça pensou uma coisa e no papel tive que me contentar com esses cavalos que não trazem essa movimentação violenta da coerção do cidadão na rua pela tropa montada da policia.


Tive que pensar os detalhes dos brilhos e movimentação desses animais... pensar nas texturas do couro, do ferro e da pelagem. Também tentei pensar nos sentimentos desses animais frente a OXALA e tentei desenhar parte de um olho com uma lagrima, indicando que o animal sabe quem é esse velho que está sendo coagido.



SEGUNDA questão era como os apreciadores da pintura entenderiam que era um senhor, sendo coagido pela policia montada. Resolvi colocar parte de um cassetete e desenvolvi um brasão (no cassetete) da guarda real de Xango. Mas para compor essa intervenção do cassete eu coloquei uma mão, especificamente a palma da mão do velho tentando se defender ou pedindo recuo da violência sofrida... ou dizendo para esses policiais que não precisa de violência para quem não está reagindo contrariamente a "ordem". Essa palma da mão só teria sentido se fosse uma palma que representasse muitos anos de vida, muitas histórias, muitos axés, muitos saberes...com rugas e linhas de expressão que traduzissem uma historia pessoal.


TERCEIRO passo é que eu precisava de uma referencia de rosto de um velho olhando para cima, pois em minha cabeça esse velho senhor está sentado no chão. Assim a pintura revelava OXALA sentado no chão sendo acuado pela policia montada de Xango. Daí pesquisei a fotografia desse fotógrafo: Lee Jeffries a fotografia era toda expressiva e ia me ajudar a fortificar a pintura no geral, pois não estava satisfeito com a movimentação e pouca violência dos cavalos que tinha pintado. Era preciso ter esse contraste da movimentação dos animais e a tranquilidade do rosto


Mas porque pintar o rosto de OXALA de rosa? Simplesmente que para o artista André Mustafá, em suas pesquisa, OXALA é albino e em suas memorias criativas a cor que chega mais perto do albinismo é o rosa. Ou talvez seja a caneta esferográfica que o Artista tinha no momento e que se aproximava de seus desejo de expressão atual para representação do albinismo e Oxalá.

O QUE É ALBINISMO?
Mas também era uma outra referencia distante do artista/grafiteiro Eduardo Kobra que André Mustafá tinha como uma influencia atual de suas pesquisas artísticas não somente pela sua qualidade de traço e técnica, mas também pelas escolhas dos personagens grafitados nas ruas que se trata de muita humanidade. A escolha do que se pintar fala tanto para Kobra quanto para Mustafá de pessoas com profundas histórias pessoais; daí nasce uma arte engajada com causas sociais com grande potencia de beleza e técnica artística. 




QUARTA questão era como Mustafá diria ao publico que esses velho, não é um velho qualquer, mais um sábio: OXALA!!! Assim, o Artista coloca segurando na outra mão do personagem central da pintura, um cajado, o OPÁXORÔ enfeitado de conchas (cauris) símbolo de OXALUFON. Mas não precisava representar o Opaxorô completamente pois não caberia na pintura (dentro dessa estética escolhida) e porque já era legível (pelo menos na cabeça doo Artista)  que esse personagem principal da pintura é alguém diferente de um senhor qualquer. Era mais do que um simples velho: era muito mais do que um idoso: era um sábio. E a policia ignorava esse fato. Não só a policia, mas todos os pedestres e transeuntes. O sábio segura um cajado diferenciado e não um pedaço de pau ou ferro... para se proteger. Alias na pintura o Opaxoro não se movimenta para defesa pessoal do sabio. O cajado aqui é mais do que um simples apoio e sim um amuleto, Entre outras coisas de fundamento religioso...

A QUINTA questão eram as simbologias pessoais do artista André Mustafá: quem ou o que era realmente OXALA, quem era EXU  e como pai e filho se amalgamam dentro e fora da tradição dos orixás. Forças da natureza ou ancestrais divinizados? Essa é uma grande questão que incomoda profundamente o Artista. Basicamente se aproxima mais da tendência de pensar o ORIXA como forças da natureza: chuvas, furações, terremotos, nevoeiros, arco-íris, tempestades, orvalho da manha... Essas forças são universais, assim como os Orixás. Mas se o Artista pensar OXALA apenas como um sábio, ele diminuiu e restringe em um tempo e espaço a historia desse Orixá (por exemplo). Coloca-se Oxala dentro de um circulo familiar muito especifico e restrito por exemplo: OXALA, Rei da Cidade ou região de Ejibô na África, que está associada a determinadas familias e assim a determinadas festividades anuais. 

Daí pensar de maneira mais ampla o Orixá é recolocar a potencia da natureza e essas descobertas (a principio africanas e afro-brasileiras) como potencia universo de acesso a todos e não algo exclusivo de determinadas famílias africanas ou dos povos de terreiro. Para Mustafá é algo sem cabimento algum, pois a historia vem mostrando grandes impérios cultivando forças da natureza durante milhões de anos antes da dita invenção da escrita. Na pintura de Mustafá, Ele tenta representar e pensar as nuvens ou em algo muito leve, tênue e branco (que é a cor de Oxalá), como essa pequena flor quase sem importância comercial.


Essa flor é como o quadro mostra Oxalá (a principio): um sábio sem importância para a policia, para a grande parte da sociedade que desconhece ou ignora Oxalá, por se tratar de sua historia está associada (inicialmente e politicamente) aos povos africanos escravizados; dessa forma Oxalá não da ibope não é pop.

Essa flor é assim quando encontramos no campo ou na beira da rua. Essa flor é mato, não se dá relevância e nem tão pouco seus significados ainda são mantidos pelos pais que passeiam com suas crianças nos jardins ou parques. Mas Mustafá muitas vezes quando passeia com Valentina, sua filha, já a ensinou que é para soprar a flor e fazer um pedido. 



O ARTISTA André Mustafá falou inicialmente nesse texto, é que ele não está associado a nenhum grupo de estudo ou partido e nem tão pouco Mustafá com suas reflexões e pinturas deseja mudar o fluxo da Tradição do Culto dos Orixás. O que Mustafá provoca (como a Arte deseja de seus adeptos), é de fazer o apreciadores questionarem, saírem da zona de conforto, redefinirem olhares no mundo e deslocarem-se para um outro ponto de vista. 

 Essa flor (ou esse mato) também representava EXU!!!!! que se soprássemos suas sementes ele aleatoriamente flutuaria ao vento sem direção aparente e semearia em qualquer local. Essa flor à primeira vista parece espinhosa, mas é delicada e macia, mas espera sempre um pequeno vento, para realizar sua explosão e assim arremessem suas sementes como destino: assim como no JOGO DE BUZIOSEssa contradição representa EXU que foi ingenuamente confundido com deuses pagãos que mais tarde a igreja católica chamou de diabo. 





Essa flor que Mustafá coloca no centro e em baixo da barba de Oxalá para representar o principio, inicio de uma jornada: é também seu filho mais querido: EXU.

Já no topo da pintura, uma pomba branca, pousada na cabeça, quase que construindo um ninho, traduzindo Oxalá e a paz que deve reinar nos Oris (cabeças). Ter OXALA por perto é mais do que isso: é o ápice da elevação de um espirito. Afinal de contas a palavra ioruba para pombo é ELEYIÉ (ẹyẹle), pássaro da casa que é comumente também representado como uma bandeira branca no alto de toda a comunidade, informando da grandiosidade de Oxala, mas também do caminho que os religiosos precisam fazer para o encontro da espiritualidade.



As reflexões dessa pintura não param e deram origem a esse ao AUDIO BOOK, narrado pelo próprio artista visual André Mustafa - O Outono do Velho, que conta de forma criativa como nasce as AGUAS DE OXALA que poderá ser ouvido  breve aqui:





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